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De como os morangos ganharam o sabor do beijo

 


Existem várias lendas a esse respeito, algumas datam da Idade Média, mas, na verdade, foi assim que tudo aconteceu.

Pedrinho estava ansioso, nervoso.  O sol já se punha e ele estava sentado no banco da praça a espera de Carolina.  Suas pernas sacolejavam e ele não conseguia controlá-las.  Era o seu primeiro encontro.  Um encontro que só foi marcado graças a intervenção dos colegas da escola.

Pedrinho e Carol - que era como todos a chamavam – estudavam juntos desde a pré-escola.  Todos sabiam que eles gostavam um do outro há muito tempo, mas, somente agora, aos treze anos de idade, marcaram o primeiro encontro.

Pedrinho olhava distante pensando em tudo isto e nem percebeu que Carol já dobrava a esquina em direção à praça.  Lembrava também dos conselhos que pedira ao seu irmão mais velho.

“Primeira Lição:  Respire fundo e conte até dez que você se acalma.  Lembre-se:  conte até dez.”

-      Oi Pedrinho! – disse Carol alegremente, quase saltitante.

-      Oi Carol.  Nem vi que você tinha chegado.

-      Você tava com um olhar distante.  Pensava em quê?

“E agora o que que eu faço?  O que que eu digo?  Ah, sim!  Respirar fundo e contar até dez!  Contar até dez!”

Pedrinho contava silenciosamente quando Carol o interrompeu.

-      Pedrinho, o que foi?  Você ficou mudo?!

Pedrinho quase desesperado olhava ao seu redor sem saber o que dizer, o que pensar, quando então avistou o Bar do Cabral.

-      Picolé.

-      O que?

-      Picolé.  Vamos chupar um picolé, Carol?

-      Só se for de morango.

-      Prá você, tudo bem.  Mas eu vou querer de chocolate.

********

O Bar do Cabral era uma lanchonete onde toda manhã de sábado Pedrinho e seu avô ficavam a tomar refrigerante e “ver a moda”, como este dizia.  Agora lá estava ele, sentado com sua namoradinha, a saborear um picolé.

“E agora, o que que eu vou dizer – torturava-se Pedrinho.”

-      Bigodinho de chocolate.

-      Ãh?!

-      Bigodinho de chocolate, Pedrinho.  Você tá com bigodinho de chocolate.

“Oh, céus!  É o fim.  O que ela vai pensar de mim?  Com certeza não vai querer namorar um garoto que nem consegue chupar um picolé sem ficar com “bigodinho de chocolate”.

Pedrinho apressou-se por apanhar um guardanapo para limpar-se quando, inesperadamente, sentiu a mão de Carol segurando a sua.

-      Deixa que eu limpo. – E, suavemente, Carol limpou o rosto de Pedrinho.

“É amor.  Só pode ser amor.  Que mulher limparia meu rosto sujo de picolé, se não me amasse?  Nenhuma.  Nenhuma.  Quer dizer:  minha mãe limparia, mas minha mãe não conta.  Ah, sim!  Segunda lição:  jamais pedir picolé de chocolate no primeiro encontro.  Melhor tomar suco de maracujá que, além de tudo, acalma.”

********

Caminharam de mãos dadas de volta à praça quando Pedrinho, finalmente, quebrou o silêncio.

-      Você deve tá pensando que eu sou um bobão.  Não sei nem chupar picolé direito.

-      É mesmo, você é um bobão.  Como pode escolher picolé de chocolate?  Morango é muito mais gostoso – brincou Carol -.  E você nem quis provar – provocou.

-      É, perdi a oportunidade.

-      Mas ainda tem como você sentir um pouquinho do sabor.

-    Co... -  Pedrinho engoliu a pergunta no meio.  Um tanto incrédulo, percebera o que Carol estava sugerindo.  O que seria de nós pobres homens, criaturas medrosas, sem a astúcia, a coragem das mulheres?

Pedrinho olhou para os lábios de Carol, de um rosado bem intenso, ainda mais salientados pelo corante do picolé.  Seus olhos se fecharam.  Seus lábios se tocaram.  Morango é muito mais gostoso.

“Terceira lição:  Morango, morango, morannnnnnngoooooooo!!!!!!!!!”

E foi assim que, daquele dia em diante, o beijo recebeu o sabor do morango.

“Não!  Não!  Não é isso!  Tá tudo errado!”

É, tem razão.  Desculpe-me.

E foi assim que, daquele dia em diante, todo morango passou a ter o delicioso sabor do beijo.

(Cláudio Beserra adora chocolate e mora perto do Bar do Cabral)

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